A questão parte de um simples facto: traição. Mas o que devemos fazer quando isso nos acontece? Quando vivenciamos algo que nunca imaginamos, por nunca haver indícios?
Insistimos tanto no esquecimento de alguém que acabamos por cair no erro de a relembrarmos sempre. Todos os dias, a toda a hora.
Miguel Esteves Cardoso escreveu acerca de “Como esquecer alguém que amamos”, mas como fazemos para esquecer alguém que nos trai?
A resposta não é fácil. Ou até é... Não esquecemos, não perdoamos, não ultrapassamos à mesma velocidade que gostaríamos de esquecer, perdoar e ultrapassar. O maior obstáculo instala-se mesmo em frente de nós - o medo de confiar instala-se e por uns bons tempos.
“Quem é que ele pensa que ele é?” é a questão retórica que se impõe; ou então, “Como é que ele foi capaz?” que nos obriga a vivenciar as palavras, os locais, as pessoas. Enfim, a dor.
Existe só um pedido que devemos fazer a quem nos trai: Deixa-me ir. Sim, devemos ser humildes para lhes pedir isso. O lado positivo é que não dependemos do veto deles. Devemos apenas questionar e deixá-la ir com o vento... As palavras são assim, voam com o vento. Assim como a mágoa, a tristeza, a dor e todas as memórias negativas voam para longe. Há que insistir na abertura da gaiola que prende todos os sentimentos que ao longo da relação fomos nutrindo. Há que as deixar ir, para onde quiserem ir. Apenas com uma condição: para longe de nós.
Nunca estamos preparados para vivenciar algo capaz de nos destruir e desfazer todas as boas memórias que conservamos em mil pedaços. Cacos no chão padecem na tristeza abundante que alimentamos, diariamente. Portanto, há que perder o impulso (in)controlável de as alimentar. A Memória é uma das inimigas da Traição e devemos tratá-las do mesmo modo que tratamos as aves e as palavras presas em gaiolas. Devemos abri-las e deixá-las pairar, em primeiro lugar, mas de seguida deixá-las viajar para onde bem entenderem.
Ouvir boa música, experimentar novos pratos culinários, sair com os amigos, fumar uns quantos cigarros e ver o fumo desvanecer no ar, viajar e criar novas memórias, conhecer novas pessoas e vivenciar novas experiências que nos encham a alma e alimentem o coração de tão fraco que se encontra. Ele precisa de alimento e a alma de crescer, de novo. Tudo da estaca zero e com novas motivações de recomeço. Esquecendo tudo o que para trás ficou e criando espaço para o que aí se avizinha.
A vida é curta para longas curas, mas é suficiente para criarmos novas dores para padecer. Eu sei, eu sei... Esta última frase parece soar contraditória, contudo se pensarmos até poderá fazer sentido. Só experiências novas e novas dores - que também são necessárias para criarmos novas defesas - a partir de novas experiências, pessoas e relações. O coração apela sempre à vida, porém há que saber ouvi-lo e interpreta-lo.
Podem escrever-se as maiores odes ao Amor e à Vida, mas não percamos tempo a lê-las. Percamos sim a vivê-las.
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